1ª e 2º FASES DE TRABALHO

Partindo sobretudo da experiência da minha leitura dos sentires do herói de “À la recherche du temps perdu” (assim como dos sentires de outras personagens de quem ele se assemelha), planifiquei uma série de exercícios com vista a provocar (em cena) alguns desses estados de inquietação, pela relação com o tempo, pela recepção e percepção de signos e, em última análise, pela leitura do tempo feita através da leitura de signos.
Assim, pela experiência cénica de alguns sentimentos fundamentais da obra, procurei encontrar, dentro de um universo quase exclusivamente pictórico, algo que lhe pudesse de alguma forma corresponder cenicamente. A quantidade incalculável de paradoxos, de contradições angustiantes, sobre os quais a obra se constrói e desenvolve foi o ponto de relação conseguido com as observações feitas durante esta fase de trabalho.
O maior desafio que me tem movido é justamente este trabalho tão extremista (acção excessiva versus estar em cena per si) que tanto precisa (nos treinos) da agitação para se suster nos momentos de vazio, nos momentos de ausência do movimento, onde o corpo (paradoxalmente) todo em jogo, se agita na concentração de não forçar a acção exterior.
Toda a sua inquietação (consequência de um nível admirável de disponibilidade e confiança – pelo corpo em luta contra o tempo em passagem inevitável, pelo relacionamento ora com o cronómetro, ora com conceitos aleatórios e relativos de mencionar o tempo, pelas contradições físicas – do excesso à acalmia, pela insegurança e frustração da incapacidade de acelerar sempre mais e mais o ritmo, pela surpresa nos ensaios mais simplistas) criou momento de verdadeiras aparições de tensão energética absolutamente contagiantes (onde não se reconhece a dimensão humana da desistência) num sistema ainda em evolução da descoberta de Proust por Deleuze.

Excerto de um texto escrito em Fevereiro de 2004