O Projecto de Investigação de Ana Silveira Ferreira, centrado na interrogação do trabalho do actor, tem vindo a desenvolver-se, desde 2003, profundamente influenciado pela experiência de leitura d´À la recherche du temps perdu (Marcel Proust), em estreita relação com o seu percurso académico (entre a licenciatura em Estudos Teatrais e o Mestrado em Filosofia, na área de Estética) e na ExQuorum, nunca repetindo o grupo de actores e, frequentemente, com o apoio dramatúrgico de Hugo Miguel Coelho.
Na impossibilidade de reter completamente a tensão inerente ao exercício de cena, este projecto começou por se centrar na canalização dessa tensão para dois pólos energéticos opostos (um mínimo – onde o actor se aproxima da imobilização de todos os movimentos visíveis; um máximo – onde o actor aumenta descontroladamente o seu limite de movimento), empreendendo uma concepção estética baseada na procura deste paradoxo orgânico, nesta obsessiva alternância entre estados mínimos e máximos energéticos.
A investigação destes dois estados físicos conduziu, no entanto, à revelação da espera, enquanto condição essencial da sua sustentabilidade no corpo, enquanto espaço intermédio fundamental, lugar entre lugares. Esses dois estados justapostos revelaram, pelo cansaço e pelo esgotamento, a espera enquanto exercício cénico, em si – só ela aponta para outras possibilidades, ao mesmo tempo que se afirma enquanto possibilidade.
Através da elaboração de uma técnica sustentada pelo aleatório (onde a improvisação é mecanizante e a repetição é exaustiva) o actor alcança, na espera, um estado de alerta tal que nos podemos julgar diante d´«a angústia do guarda-redes antes do penalty». Só a espera pode conduzir o corpo a qualquer outro estado, só na espera reside essa possibilidade poética – ela é simultaneamente um acontecimento profético, na medida em que traz em si, imanentemente, o anúncio de outros territórios (tensão mínima e máxima p.e.) e condição poética da acção, na medida em que ela própria, por si só, se revela enquanto exercício energético essencial.
(Sarrazac, O futuro do drama, Campo das Letras, 2002: 84)